quinta-feira, 31 de março de 2011

Petista compara TCE a uma Corte familiar e exige concurso público para vaga de Conselheiro


Deputado do PT compara TCE a uma Corte familiar, denuncia irregularidades em nomeaçoes e exige realização de concurso para o cargo de Conselheiro

Após a polêmica das nomeações no Tribunal de Contas do Estado ter sido repercutida em análises de vários jornalistas paraibanos, agora quem decidiu atacar a Corte Estadual foi o deputado do PT da Paraíba, Anísio Maia. Em entrevista ao PB Agora, na manhã desta quinta-feira (31), Maia atacou a forma como são nomeados os Conselheiros do órgão e comparou o tribunal a uma Corte familiar.

“Lá existem cinco pessoas que pertencem a uma mesma família e a um mesmo grupo político. É uma aberração”, detonou.

Para o parlamentar, a forma como são designados os responsáveis por combater a corrupção no Estado mostra que a sociedade tem que discutir com urgência a mudança no Tribunal de Contas do Estado.

O parlamentar ainda lamentou o fato dos demais Conselheiros da Corte terem se solidarizado publicamente com os envolvidos nas denúncias de ‘apadrinhamento’, em vez de terem se manifestado contrários a prática.

“Após varias criticas feitas pela própria imprensa, em vez do Tribunal se manifestar, todos eles foram solidários com quem estava sendo acusado. Parece que existe uma caixa preta e a população já está indignada com o que vem acontecendo lá dentro”, desabafou.

Anísio afirmou que vai levantar a bandeira para defender os interesses da população e que irá junto com a bancada do PT na Casa, mostrar as irregularidades no Tribunal de Contas da Paraíba e exigir a mudança nos critérios para nomeação;

“Esse Tribunal precisa de concurso publico, para ser dirigido e comandado por um servidor de carreira. Famílias e grupos políticos não podem dominar  um órgão que é fundamental para combater a corrupção na Paraíba”, defendeu.

Anísio prometeu que irá fazer um pronunciamento na tribuna da Assembleia ainda hoje para debater a problemática


PB Agora  

Complacência com tortura estimula violência policial



Marcelo Semer
De São Paulo

Poucas cenas são tão impactantes, quanto a de policiais-militares disparando, à queima-roupa, contra um garoto indefeso de quinze anos, na cidade de Manaus.
Sozinho, desarmado e acuado, o adolescente recebeu diversos tiros, mas no boletim de ocorrência, os agentes da lei disseram que apenas se defendiam de seus ataques.
Pela enorme perplexidade que também causou, a fotografia do PM carioca jogando gás pimenta em uma criança, durante repressão a manifestação de moradores no Morro do Bumba, entrou para o álbum tétrico da violência policial da semana.
Álbum, aliás, que se completou com a informação de que a Polícia Civil estima em torno de cento e cinquenta as vítimas de homicídios de grupos de extermínio constituídos por policiais militares no Estado de São Paulo.
A repulsa social é gigantesca quando vemos as imagens destes crimes. Mas a inércia diante da violência policial permanece intacta.
Policiais julgados pelas mortes de pessoas supostamente atingidas em conflito raramente são condenados.
A informação de que as vítimas tenham "antecedentes criminais" quase sempre funciona como elemento fundamental da absolvição.
Nesse particular, pouco parece ter mudado, com a transferência da Justiça Militar para a Comum, da competência para julgar homicídios praticados por PMs, logo após a chacina do Carandiru.
Os jurados muitas vezes se comovem com as narradas vicissitudes de policiais em confronto, principalmente quando se relatam casos de resistências.
Inúmeras mortes nem sequer chegam a plenário, arquivadas a pedido dos promotores, com relatos relativamente similares àqueles trazidos pelos PMs de Manaus.
Ninguém seria insano em afirmar que os policiais são, em regra, criminosos.
O trabalho de promotores e juízes nos fóruns criminais é praticamente todo ele lastreado nas prisões em flagrante realizadas por policiais militares, logo em seguida a furtos, roubos, sequestros, tráficos de entorpecente -em boa parte destes, justamente pela presteza e eficiência policiais.
Todavia, a noção de autoridade e os frágeis limites deste agir, ainda são pouco respeitados país afora.
Casos relatados de torturas e violências cotidianas a presos (conhecidas como "esculachos") são frequentes e não é raro encontrarem-se réus que já chegam feridos à delegacia.
A cultura da violência permitida ou relevada, por alguma hipotética função social, inexplicavelmente sobrevive entre nós.
Não à toa, os processos criminais por tortura são pouquíssimos - delegados, promotores e juízes menosprezam ou ignoram reclamações, em razão de uma suposta falta de credibilidade das vítimas.
Afinal, se nós não tivéssemos visto as imagens, quem acreditaria na versão do adolescente amazonense?
É exatamente por isso que a violência policial é ainda mais digna de repúdio.
A ideia de que em certos casos esta violência se faça necessária é a principal porta aberta para conivência social com os abusos.
Nada mais representativo dessa noção do que a reiterada omissão do Estado em apurar os crimes praticados pelos agentes públicos durante o período da ditadura.
A complacência com graves crimes contra a humanidade, nos quais se incluíram bárbaros desaparecimentos forçados, até hoje sem solução, estimula a noção de que, sob certas circunstâncias, a lei pode ser desrespeitada na luta contra um inimigo perigoso.
Ele pode ser chamado de terrorista, de subversivo, de traficante. Mas na medida em que se excedem para contê-lo, além do que permite a lei, agentes policiais se transformam nos mesmos marginais que pretendiam combater.
Durante os anos de chumbo, paralelamente às torturas praticadas contra os "inimigos do regime", proliferaram grupos de extermínio no corpo das polícias, conhecidos como esquadrões da morte, apoiados por empresários e comerciantes.
Alguns podiam se aliviar, enganando-se que apenas "criminosos" eram vítimas e que, afinal de contas, havia alguém sujando as mãos em nome de sua segurança.
Mas quando o limite do certo ou errado, da vida ou da morte, é conferido a pessoas armadas que conduzem julgamentos sumários na calada da noite e realizam execuções travestidas de legítima defesa, é sinal de que a sociedade perdeu o seu próprio respeito.
Uma enorme indignação popular se dirige hoje contra o acórdão do STF que postergou a entrada em vigência da Lei da Ficha Limpa.
Mas a decisão do ano anterior que manteve a anistia para agentes que cometeram crimes contra a humanidade pode ter causado um dano muito maior.
O Brasil é o único país da região que ainda se recusa a punir seus torturadores, mesmo recebendo recentemente uma condenação internacional, advinda da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Na medida em que legitimamos a ficha-suja da tortura, abrimos a porta para conviver de mãos-dadas com os excessos policiais, herdados dos anos de chumbo.

Terra Magazine

Internet: Compartilhamento e cultura



Com a internet nós ao mesmo tempo eliminamos a escassez dos bens culturais como também os intermediários de má vontade, apenas interessados no lucro

Compartilhamento livre de cultura e os entraves da indústria
Com a internet nós ao mesmo tempo eliminamos a escassez dos bens culturais como também os intermediários de má vontade, apenas interessados no lucro
Soa como clichê afirmar que o século XXI, este agora em que vivemos, é o século — ou talvez a era — do compartilhamento. Com a internet e seu crescimento temos milhões de pessoas compartilhando não só filmes e música, mas também ideias. Estamos diante da total subversão do modelo tradicional de capitalismo de consumo ou mercadológico, pois agora não compartilhamos um CD, um DVD, mas apenas as ondas sonoras, o mp3, ou as imagens de um filme. Não há necessidade mais do meio físico, do intermediário.
Compartilhamos ideias, criamos de forma colaborativa. Não que não fosse assim antes, mas, digamos, escancaramos a situação.
Quando você produz uma música, sem dúvida, está se apropriando de criações anteriores. São as influências. Ninguém produz algo do nada, todos somos influenciados pelo meio, por nosso entorno, por nossos gostos, história, mas com a internet levamos isto a um novo patamar. Não apenas nos inspiramos, mas muitas vezes vamos até a fonte de inspiração criar colaborativamente.
O que antes era “inspiração”, hoje é colaboração, franca e direta. Mesmo empresas vão à rede buscar dentre seus consumidores ideias para nomes de produtos, opiniões e mesmo ideias mais específicas. A pesquisa de mercado não é mais um grupo de pessoas numa sala fechada, mas milhões de pessoas interconectadas opinando, conversando e criando.
Uns poderiam dizer que não muda muita coisa, que deveríamos pagar pela música e pelo filme, mesmo que não se use um suporte físico para que ocorram as trocas. Que nossas ideias continuam sendo nossas, desprezando todo o entorno. Mas onde está o erro?
A economia mundial capitalista é baseada na escassez ou na presumida escassez de um produto. Oras, se eu produzo 1000 CD’s, só posso vender 1000 CD’s, é muito simples. Se eu tenho um CD e te dou este CD, eu fico sem nenhum, então eu coloco um preço nesse bem material para que eu possa me desfazer dele e não sair no prejuízo. Isto é, de forma simples, a economia da escassez, ou seja, o modelo em que você produz bens finitos e cobra pelo privilégio de alguns terem acesso a estes bens.
A internet subverte este modelo histórico. Como? Passando por cima da escassez, ou melhor, eliminando a possibilidade de escassez de bens culturais. Esta é a palavra-chave aqui: “Bens culturais”, fruto do intelecto humano, da criatividade, da capacidade de produzir cultura.
Claro, a internet não elimina a escassez do trigo, do arroz, mas acaba com a possibilidade de um CD se esgotar, acabar nas lojas... Deixamos de ser reféns de gravadoras e editoras.
Quantas vezes — especialmente na faculdade — fomos obrigados a nos matar pra achar aquele livro clássico, editado em 1976, que está esgotado mesmo na editora e só tem duas cópias na biblioteca cujo preço da xérox é abusivo e 50 pessoas da tua turma querem copiar ao mesmo tempo? Ufa!
Com a internet um ser caridoso pode escanear e dar a oportunidade de dezenas, centenas e até milhares de pessoas terem acesso à obra sem precisar passar por todo esse drama e, acima de tudo, sem esperar pela — rara — boa vontade da editora de voltar a publicar aquele bendito livro.
Oras, sem a internet como você teria acesso àquele bootleg raríssimo da sua banda de folk uzbeque favorita? Na verdade, como você sequer conheceria essa banda sem a internet?
E ainda mais, na internet você pode ouvir a música, ter a musica no seu PC e passá-la adianta sem ter de abrir mão do MP3. Eu continuo a ter acesso ao bem, mesmo que o passe a você. É o máximo do compartilhamento de cultura, do enriquecimento irrestrito da comunidade.
Com a internet nós ao mesmo tempo eliminamos a escassez dos bens culturais como também os intermediários de má vontade, apenas interessados no lucro. Podemos ter uma relação muito maior de proximidade com nossos artistas e autores. Especificamente tratando de música, já há muito que artistas — exceto casos raros — tiram seu lucro de shows e não da venda de CD's, cujo lucro fica quase todo com intermediários e gravadoras.
Quem se prejudica com a internet não é o artista, que com o alcance da internet e a rede de fãs que cria, pode fazer shows em lugares muito mais distantes do que na época em que vivíamos na ditadura das gravadoras. Alguém vai chorar pelas gravadoras que cobram 40 reais por um CD que custa 10 centavos pra ser produzido e que mal repassa 10% do valor ao artista?
Quanto aos livros, e um pouco mais complicado, pois autores não fazem shows, mas da mesma forma que na música, é a indústria, a editora, que fica com a maior parte do lucro. Especialmente no caso de livros acadêmicos, o autor raramente recebe o suficiente pra comprar um café. As propostas que existem hoje são pela liberação do uso de livros acadêmicos por estudantes, sem custos, ou com custos reduzidos ou compartilhados entre os interessados, para promover o acesso à cultura. São alternativas em discussão.
Mas, lembram-se que, no começo, eu falei que estamos na era do compartilhamento? Pois bem, estamos nós, cidadãos, mas o mesmo não vale para gravadoras, editoras... Estes ainda estão na época analógica. O que não quer dizer que estes mesmos empresários não brigassem até na era analógica: Chegaram a querer criminalizar a cópia em fitas k7 de músicas que tocavam nas rádios!
Outra ideia — de jerico - foi a de querer cobrar um imposto sobre a venda de fitas que seria revertido para as gravadoras — não para os artistas, que fique claro. Ha algum tempo retomaram a ideia querendo criar imposto para venda de CD/DVD virgem. Risível.
A indústria é incapaz de compreender os novos tempos. Ao invés de se preparar para o futuro, de buscar alternativas, tentam barrar a evolução, o progresso, impondo restrições, criminalizando o compartilhamento, mesmo que este seja faceta natural do ser humano, apenas ampliado pela internet.
O AI5Digital no Brasil (como ficou conhecida a Lei Azeredo, proposta pelo então senador e hoje deputado federal Eduardo Azeredo, que visava criminalizar o compartilhamento e restringir o acesso à internet, além de tornar provedores entidades de controle policial), o HADOPI na França e o ACTA em nível mundial são apenas exemplos de legislações criadas ou idealizadas com pesado lobby da indústria fonográfica e afins.
A internet em si não muda o que somos, mas tão só potencializa certas características. Se nos comunicamos no dia a dia, com a internet nos comunicamos melhor e para além. Com a internet retomamos o papel de criadores de produtores de cultura, pois deixamos de lado a necessidade de intermediários, de indústria. A cultura passa a ser livre.
Mas isto quer dizer que a indústria morrerá? Não. Ela apenas terá de se adequar à nova realidade, ao invés de lutar contra ela.

Revista Bula

quarta-feira, 30 de março de 2011

Conselho Tutelar de João Pessoa:


Justiça suspende conselheiro tutelar da Capital por abandono de função



A Justiça deferiu liminar requerida pela Promotoria da Infância e Juventude de João Pessoa, suspendendo Wandílson Lopes Filho de suas funções no Conselho Tutelar  da Região Praia, até o final do julgamento. A liminar foi concedida pelo juiz da 1ª Vara de Infância e da Juventude da Capital, Fabiano Moura de Moura.
De acordo com a promotora de Justiça Soraya Escorel, o MP ingressou com uma ação civil pública por causa da conduta irresponsável do conselheiro.
“Foram inúmeras reclamações. A atuação do conselheiro só vem piorando nos últimos meses, não tendo sequer comparecido ao Conselho Tutelar nos dias dos seus plantões”, informou a promotora.
Na liminar, o juiz Fabiano Moura destaca que os fatos apresentados na ação são graves. “A conduta do conselheiro é, em tese, incompatível com a função que está a desempenhar e incorre em grave lesão aos direitos de nossas crianças e adolescentes”, diz o texto da liminar. O conselheiro pode recorrer da decisão.
“A conduta dele, além de negligente, é de total abandono de função, vez que não comparece ao conselho nos dias de plantão. E não procedeu ainda a nenhum atendimento no ano de 2011”, afirmou Soraya Escorel.
Paraíba 1

Ouvidor para a Defensoria Pública


Defensoria Pública

Ouvidorias independentes devem ser implantadas


As ouvidorias fazem mais do que receber reclamações dos cidadãos e encaminhar soluções. Além desta importante função, as ouvidorias devem servir de elo entre a sociedade civil organizada e as instituições estatais encarregadas da prestação de serviços públicos.

E para tanto, devem ser independentes e integradas por ouvidores externos aos quadros das instituições, e indicados pela sociedade civil.


Esta é a opinião de Luciana Zaffalon, que é Ouvidora da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e Presidenta do Colégio Nacional de Ouvidorias de  Defensorias Públicas, entrevistada no programa Justiça e Democracia de 18 de março de 2011.


Ela defende que o modelo de ouvidorias independentes, previsto na lei federal para todas as defensorias públicas, seja implantado em todo o país e explica as sua vantagens.


A entrevista se soma ao esforço para a implantação do modelo de ouvidoria independente no Estado do Rio de Janeiro, sobre o que o núcleo carioca da Associação Juízes para a Democracia se manifestou em nota.


A.J.D.

Japão: Hiroshima outra vez

Maria Clara Lucchetti Bingemer

Parece incrível que isso tenha acontecido com um país tão desenvolvido, como o Japão, e um povo tão disciplinado e ordenado como o japonês. De repente toda a população sobressaltada, passando do sobressalto à dor, e após constatar-se a si mesmo em vida, ter que viver com uma ameaça permanente sobre a cabeça. Que rastros danosos e mortais terão deixado a irradiação em seus corpos e vidas?

A comparação com a tragédia de Hiroshima é inevitável. Há, porém, uma diferença fundamental. Esta foi provocada por agentes externos, enquanto agora o detonador se encontrava dentro do próprio corpo do belo arquipélago japonês. Foi de dentro de suas entranhas que o Japão viu surgir o monstro que lançou a destruição sobre seu território e agora exibe sequelas a serem rastreadas entre seu povo.

O fato é que após os tremores e o tsunami, o Japão está sob sério risco de explosões nucleares. As autoridades, extremamente preocupadas, informam que a possibilidade de uma nova explosão é muito alta, pois a usina nuclear de Fukushima sofreu sérios danos durante o terremoto do último dia 11 de março e no dia seguinte, sábado, 12, explodiu pela primeira vez.

Ninguém duvida que o disciplinado povo japonês esteja tomando medidas para evitar nova explosão. No entanto, se esta acontecer, o reator nuclear será irremediavelmente danificado, afirma o porta-voz do governo japonês. E ainda que a nova explosão não aconteça, a Companhia Elétrica de Tóquio informa que os níveis de radiação ao redor da usina já estão acima dos limites permitidos. Houve a tentativa de refrigerar o núcleo radiador com água do mar, mas não foi eficaz.

Com grande eficiência, os cerca de 170 mil moradores da área foram retirados. No entanto, cerca de 20 pessoas foram comprovadamente expostas à radiação e recebem tratamento. E mais longe o medo cresce: e a água? E os rios? E os alimentos e plantações? Não estará tudo também contaminado, provocando uma super contaminação em série exponencial como há anos em Chernobyl, na Ucrânia, cujos moradores até hoje sofrem as consequências nefastas do acidente nuclear?

O número de mortos vítimas do terremoto e do tsunami no Japão já passa de 10 mil. Histórias comoventes de sobrevivências aparentemente impossíveis, como as da avó e do neto, de 16 anos, soterrados na cozinha de casa e resgatados após 9 dias emocionam o mundo.

É o mundo inteiro que treme com o Japão. É o coração de toda a humanidade que bate por Fukushima como bateu por Hiroshima. No entanto, não basta compadecer-se e sofrer em comunhão com o povo japonês e os estrangeiros que lá se encontram e foram colhidos de surpresa pela catástrofe. É preciso aprender as lições das tragédias. E uma dessas lições é que sistemas tão complexos como reatores nucleares não são totalmente seguros. Ao contrário, são extremamente vulneráveis e não é possível à ciência e à técnica humanas, por mais avançadas que sejam, prevenir e evitar acidentes que porventura possam acontecer.

A energia nuclear não é segura. E isso exige que os países que a usam façam uma séria reavaliação sobre seu uso. De todas as desvantagens e negatividades, a maior de todas é o enorme risco que representa para o meio ambiente e a vida humana. A radioatividade é, sem dúvida, o flanco aberto da energia nuclear. 

Especialmente perigosa, causa não apenas mortes imediatas como em Chernobyl, mas doenças letais – o câncer e outras – que se manifestam anos depois.

Por isso, alguns países optaram por excluir a energia nuclear das opções de seu sistema. Outros, como o Japão a mantiveram. Passaram-se 25 anos sem acidentes e a confiança da humanidade na segurança dos reatores foi crescendo. Agora, o caso japonês foi um duro golpe sobre esta confiança e credibilidade. O nobre povo japonês saboreia os frutos amargos dessa escolha.

Que a lição de Fukushima plante firme em nossas mentes e corações que a ciência e a técnica necessitam de limites e vigilância ética. Incessantemente e sempre. Mesmo quando tudo parece tranquilo e sem riscos. Pois qualquer coisa que ameace a vida humana não pode ser positiva, mesmo que traga avanços e progressos de qualquer tipo.

Num mundo onde tudo é profano, só uma coisa é sagrada: a humanidade, criatura querida e dileta do Criador. Preservá-la é o dever mais sagrado de todo ser humano em tudo que puder e desejar produzir e inventar. Que a dor do Japão nos ensine isso em todas as partes do globo terrestre.

Adital

segunda-feira, 28 de março de 2011

Fraqueza de Deus.

José Comblin  

Boa parte do ateísmo contemporâneo baseia-se na objeção enunciada
com muita força no passado por J. P. Sartre e retomada pelos seus
discípulos: “Se Deus existe, eu não sou nada”. 

Se existe um Deus onipotente, o que ainda sobra para mim? Essa
presença ao meu lado do poder absoluto torna irrisórias todas as
minhas ações. Diante do infinito, todo o finito torna-se irrelevante. Há
muitas maneiras de enunciar o argumento.

A objeção foi formulada desde a Idade Média, mas não conseguiu
convencer. A resposta diz que Deus e o homem não se situam no
mesmo plano, como duas liberdades em competição. 

A resposta não convenceu porque durante séculos os teólogos
debateram a questão da predestinação, isto é, da compatibilidade
entre a liberdade de Deus todo-poderoso e a liberdade humana.

Assim fazendo, situaram no mesmo plano as duas liberdades. Se os
teólogos – tomistas, dominicanos e jesuítas – tomaram essa posição
durantes séculos, não é estranho que filósofos façam a mesma coisa. 

De qualquer maneira, a pessoa sente tantas vezes o conflito entre a
sua vontade, o seu desejo e o que diz que é a vontade de Deus, que
a reação parece inevitável. Os sartreanos sustentam que, para ser
livre, é necessário negar a existência de Deus. Infelizmente para eles,
Deus não depende das negações ou das afirmações de Sartre. 

A verdadeira resposta está na fraqueza de Deus. O nosso Deus é um
Deus “escondido” – tema constante da tradição espiritual cristã. 
É um Deus que se manifesta no meio da nuvem, que se faz
perceptível, mas não impõe a sua presença.

A liberdade consiste justamente nisto: diante do outro, a pessoa
pára, reconhece e aceita que exista. Abre espaço, acolhe. Longe de
dominar, escuta e permite que o outro fale primeiro. Assim Deus
suspende o poder de Deus. 

Nenhuma evidência, nenhuma ameaça, nenhum constrangimento
força nem obriga. Deus permite e deixa fazer. Deus respeita o outro
na sua alteridade e permite, até mesmo, que o outro se destrua sem
intervir. A liberdade de Deus consiste em permitir e ajudar a
liberdade do menor dos seres humanos. A liberdade de Deus
reprime o poder. Torna-se fraca para que possa manifestar-se a força
humana. 

O hino de Filipenses 2.6-11, núcleo da cristologia paulina, expressa
essa fraqueza de Deus. Pois o aniquilamento de Jesus incluía o
aniquilamento do Pai: "Esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de escravo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de
homem, humilhou-se e foi desobediente até a morte, e morte de
cruz!” (Fl 2.7-8). 

Deus escondeu o seu poder até a ponto de as autoridades de Israel
não o reconhecerem. É desta maneira que Deus se dirige às pessoas:
sem intimidação, sem poder, na dependência de seres humanos,
entregando a própria vida nas mãos de criminosos. Quem dirá que
dessa maneira Deus faz violência às pessoas?

Como comentou Levinas, o outro é o desafio da liberdade, a
provocação que a desperta. Diante do outro há duas atitudes:
examiná-lo para ver em que elê me poderia ser útil ou qual é a
ameaça que representa para mim, ou então, perguntar-me o que eu
poderia fazer para ajudá-lo. 

A liberdade de Deus autolimita-se. Diante da sua criatura,
Deus limita sua presença. Deus preferiu antes deixar que
crucificassem o seu Filho a intervir para impedir tal justiça. Trata-se
de fraqueza voluntária.

É verdade que durante muitos séculos, sobretudo na pregação
popular, os pregadores apresentaram uma concepção bem diferente
de Deus. Usaram temas e comportamentos da religião popular
tradicional: medo diante do trovão, medo da seca e de cataclismos
naturais – entendidos como castigos divinos –, medo das doenças
recebidas também como castigos e assim por diante. 

Era fácil despertar o temor a partir de idéias puramente pagãs ou
supersticiosas. Essa pregação de terrorismo religioso podia dar
resultados imediatos, levando milhares de pessoas aos sacramentos.
A longo prazo, porém, destruíram as bases da credibilidade da Igreja.

Hoje a maioria das pessoas deixaram de ter medo do trovão, não
sendo mais motivo para temer a Deus, como foi no passado. Naquele
tempo achou-se válido o método do temor, todavia hoje recolhe-se
os frutos dessa pastoral.

Pensou-se que os povos precisassem temer um Deus forte – e
desprezariam um Deus fraco. Tais erros se pagam cedo ou tarde.
Estamos pagando hoje esse preço.

Deus torna-se fraco porque ama. Quem mais ama é sempre mais
fraco. Não será essa a grande característica das mulheres? Quase
sempre amam mais, e, por isso, sofrem mais. Porém, nessa fraqueza
consentida não estará a maior liberdade? 

Nessa fraqueza a pessoa vence todo o egoísmo, todo o desejo de
prevalecer, toda a preguiça de aceitar maiores desafios. Exige mais
de si própria, vai mais longe, além das suas forças. “Ninguém tem
maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (João
15.13). Aí está também a expressão suprema da liberdade. 

A fraqueza de Deus vai até a ponto de se tornar suplicante. O
versículo predileto do saudoso teólogo latino-americano Juan Luís
Segundo diz; “Eis que estou batendo na porta: se alguém ouvir
minha voz e abrir a porta, entrarei na sua casa e cearei com ele e ele
comigo (Apocalipse 3.20).  Deus bate na porta e aguarda. Se não é atendido, afasta-se e
continua o caminho. Somente entra se é convidado. Depende do
convite da pessoa. Deus torna-se pedinte, suplicante. 



Reflexões Diárias

“A outra Era Vargas"

 

Wanderley Guilherme: como Lula construiu "a outra Era Vargas"

Dois anos antes do golpe de 1964, quando a esquerda embarcava na onda da revolução, Wanderley Guilherme dos Santos alertava num livro lendário (Quem Dará o Golpe no Brasil, Civilização Brasileira, 1962) sobre a quartelada que estava em curso e que acabaria por sufocá-la.

Por Maria Cristina Fernandes, no 
Valor Econômico

Meio século depois, quando a análise política predominante situa o governo Luiz Inácio Lula da Silva como continuador da herança varguista e já trata de delinear os atritos deste legado com o governo Dilma Rousseff, lá vem Wanderley Guilherme novamente na mão contrária. Aos 75 anos, continua com um facho na mão.

Foi Lula, diz, quem, na verdade, encerrou a Era Vargas. Não fala a partir da Casa Rui Barbosa para cuja presidência ainda não foi oficializado. "A outra Era Vargas" é o tema da aula magna que profere hoje no início das atividades do Iesp, o instituto que, encampado pela Uerj, abriga os pesquisadores do antigo Iuperj fundado por Wanderley Guilherme no final dos anos 60.

Recorre ao seu conceito de cidadania regulada, que se tornou um dos mais influentes da ciência política nacional, ao advogar para Lula a condição de coveiro da Era Vargas. Cunhado no final da década de 70 (Cidadania e Justiça, Campus, 1979), o conceito define a cidadania não por um conjunto de valores políticos mas pela inserção formal no mercado de trabalho. 

Com Vargas, passou a ser cidadão quem tinha uma profissão regulamentada e pertencia a um sindicato. A carteira de trabalho, na comparação de Wanderley Guilherme, passou a ser, de fato, a certidão de nascimento cívico e acabou controlando a expansão da cidadania no Brasil.

Sob a ditadura

O primeiro ato de rompimento com a cidadania regulada, diz, aconteceu sob Médici, com a criação do Funrural. A abertura política ampliou o rompimento dessa regulação, mas foi apenas no governo Lula que seus pressupostos teriam sido sepultados.

Sem desmerecer o Bolsa Família, prefere lançar mão de um outro programa social, o Brasil Sorridente, para sustentar a tese de que não é preciso mais ser um torneiro mecânico para alcançar a cidadania. Segundo dados do Ministério da Saúde, as 18.650 equipes do programa haviam atendido, até 2009, 87 milhões de brasileiros que, até então, engrossavam os contingentes de desdentados que tanto envergonham a identidade nacional. 

Wanderley Guilherme saúda a desregulação da cidadania — mas não acolhe com o mesmo entusiasmo o fim de um dos instrumentos de sua promoção, o imposto sindical. Seus opositores estariam filiados à interpretação de que Vargas domesticou o movimento sindical — "Não havia nada a ser domesticado, os sindicatos eram fracos; o que o imposto fez foi resolver o problema da ação coletiva num momento em que a esquerda era revolucionária, não queria fazer política nem se expor ao degredo pela ação sindical". 

Enquanto a cidadania era regulada pelo Estado, o imposto sindical, era, e continua sendo, privado. Ao contrário do fundo partidário, que é estatal, o imposto sindical é recolhido junto aos trabalhadores. Acredita que o sistema possa ser aperfeiçoado mas indaga o que aconteceria se caísse a compulsoriedade: "Os ganhos obtidos pelos sindicatos apenas serão usufruídos pelos filiados?".

Diz que a oligarquização atinge tanto as organizações sindicais trabalhistas quanto as patronais, mas não acredita que o meio para combatê-la seja o fim do imposto sindical. Credita o engajamento da CUT e do PT na campanha pela sua extinção a uma compreensão enviezada da Era Vargas que pode jogar por terra um estímulo à ação política dos trabalhadores.

Não acredita que o governo Dilma esteja contaminado pelo que chama de sentimento antivarguista conservador que hoje abriga CUT e PT. Cita a participação de empregados no conselho de administração das estatais, promulgada por Lula e regulamentada por Dilma, como um sinal eloquente de continuidade. "É um ato histórico porque tem a ver com a participação de trabalhadores no destino da mais-valia e na definição dos investimentos que vão garantir empregos no futuro; é uma participação política crucial".

Os limites da continuidade, diz, serão dados pela necessidade — mais premente agora do que o foi sob Lula — de se arbitrarem perdas. É isso que está em questão na discussão da política antiinflacionária. 

A desregulação da cidadania só foi possível pelo rompimento com o preceito de que não era possível crescer sem inflação e desigualdade. Crescimento exige mais poupança interna e isso não rimava com distribuição de renda. Wanderley Guilherme diz que esta foi uma das mais espetaculares rupturas dos últimos 80 anos visto que os dois antecessores que o superaram em avanço do PIB, Juscelino Kubitschek e Ernesto Geisel, não conseguiram domar a inflação nem evitaram que a desigualdade aumentasse. 

"Os radicais dizem que os bancos ganharam mais. É claro que os ricos ficaram mais ricos, mas os pobres ficaram menos pobres em maior proporção. Isso se deu porque o bolo cresceu e é possível que não o faça no mesmo ritmo neste governo. Dilma terá que impor perdas a alguns segmentos se quiser que a desigualdade continue a ser reduzida", diz.

Terá ainda que se ver com o crescimento do potencial do eleitorado conservador — tema de seu mais recente artigo no Valor (30/09/2010) — (ver abaixo) decorrente da percepção da nova classe média de que, dados os limites à mobilidade social, solavancos sociais podem acabar por desalojá-la. Pelas medidas até agora tomadas, em relação ao salário mínimo, ao aumento do valor do Bolsa Família, ao programa de combate à miséria e às medidas antiinflacionárias, não vê uma arbitragem que rompa com o padrão de governo que a antecedeu. 

O que ainda está por ver, na arbitragem das perdas, é o que Dilma fará para manter os pressupostos da competitividade internacional do país, o investimento em tecnologia e inovação. A ausência desse esforço sacrificaria um crescimento sustentado do país sem o qual todo o resto, desta e de outras eras, ficaria comprometido.

Portal Vermelho

Veja postagem anterior

Repartição de renda faz sua última eleição


Wanderley Guilherme dos Santos|
30/09/2010 
Registro dois óbitos iminentes: o da eficácia eleitoral da política de redistribuição de renda e o do poder desestabilizador da grande mídia. São movimentos dessa natureza que brazilianistas e a nova direita chic, os comunistas nostálgicos, não antecipam. Há quem acredite que nada mudou no Brasil desde a Primeira Missa. Outros, que mudou para pior desde a Primeira República. 
São ecos do passado, nutridos pela lerdeza real com que o país tem resolvido alguns problemas clássicos da modernidade. A urbanização custou a chegar, assim como a industrialização e a transformação da estrutura ocupacional. 
Argentina, Chile e Uruguai brilhavam com taxas européias de urbanização e alfabetização (nada de industrialização, é bem verdade) quando o mundo era campestre e a poesia e o romance, bucólicos. Em um par de décadas, contudo, a urbanização e a transformação ocupacional brasileiras bateram recordes históricos, deixando na rabeira não só a América do Sul, mas China, Índia e, em alguns aspectos, a Rússia, inventando ao longo da travessia um eleitorado de 136 milhões de votantes, indomável a qualquer elite leninista e, cada vez mais, insubmissa ao comando coronelista. A poda das oligarquias hereditárias ocorre de Norte a Sul do país. Por fim, descobriu-se uma classe média (próxima de 90 milhões de pessoas) quase do tamanho do Japão. Dezenas de milhões de "japoneses", digamos assim, falando português, mas com igual apetite consumista, invadiram as lojas de eletrodomésticos, de roupas, agências de viagens, aviões, hotéis e, até mesmo, as revendedoras de automóveis japoneses propriamente ditos. Não há nostalgia que suporte isso sem virar ressentimento. Mas, a contragosto, será nesse depósito que a história obrigará os conservadores a colher votos no futuro.

Do berço ao túmulo, a população brasileira passou a ser assistida por complexa rede de políticas sociais institucionalmente inéditas, em grande parte, e incomparáveis em sua cobertura. Multidões foram extraídas à miséria e à pobreza em prazo mínimo, se confrontado aos quase cem anos que o sistema social europeu exigiu para ser elaborado e implementado. Evidentemente, nossos séculos preguiçosos legaram tal espetáculo de carências que a profunda subversão de prioridades operada pela era Lula não está senão a meio caminho da empreitada em seus efeitos estruturais. Metas ainda por atingir, ocasionais gestões deficientes, equívocos de formulação inicial de alguns programas fazem parte da história real do período e comparecem na queda de braço das argumentações eleitorais. Mas não é nesse discurso ao tele-espectador que se encontra o coração da matéria.
de parte das políticas sociais em curso dispensa intermediários. Os atingidos têm acesso direto aos benefícios, extinguindo-se o pedágio de gratidão que deveriam pagar aos agentes executivos das ações distributivas. A fruição dos bens sociais a que têm direito independe de conexão com algum doador individualizado, subordinando-se tão somente ao vínculo formal com a apropriada agência de implementação. O funcionamento do sistema, naturalmente, claudica aqui e ali e a eficiência da máquina não é uniforme. Isso tende a melhorar. E tende a melhorar na exata medida em que os beneficiados deixam de aceitar o serviço ou o bem como favor (a cavalo dado não se olham os dentes) e a entendê-lo como obrigação do Estado. Nessa mesma medida o voto-gratidão ou se transforma em voto-confiança ou migra. Em breve a população brasileira sentirá a rede social em expansão (volume e qualidade) como estado da natureza, solo sobre o qual se desloca sem prévia licença de autoridade política a que deva lealdade. Certamente que o eleitorado, sobretudo o mais antigo, preserva um estoque de confiança nas lideranças que deram origem à re-fundação do pacto político original. Mas a simples lembrança daquele momento pode se tornar insuficiente para a renovação da confiança. E é assim que deve ser. 
Parte considerável da nova classe média tende ao conservadorismo por entender com absoluta lucidez que existem limites à mobilidade social ascendente e que mudanças, dadas certas circunstâncias, serão, provavelmente, para pior. É sociológica e economicamente impossível que a totalidade das pessoas que alcançaram ou venham a alcançar em breve o topo salarial ou de posição em algum ramo do comércio, serviços ou ocupação industrial, se transfiram para um patamar acima na estratificação social, dando início a nova trajetória ascendente. A maioria das moças e rapazes que, recém alfabetizados ou saídos de escolas profissionalizantes, encontram vagas em abundância como atendentes, vendedoras, caixas, recepcionistas etc., irão se aposentar na mesma profissão ou em profissão aparentada. Algumas chegarão a supervisora ou gerente de filial; pouquíssimas a postos de direção. Grandes agregados sociais não costumam pular dois degraus na estratificação, independente da orientação dos governos e dos sociólogos de boa vontade. A ascensão inter-geracional é outra história. Em uma geração, porém, o jovem que se entusiasmava com o fervilhante trânsito social é o mesmo adulto maduro que, seguro em sua posição atual e aposentadoria próxima, teme promessas de solavancos sociais. O mais provável é que o solavanco o desaloje. Alguns chamam o fenômeno de "aversão ao risco", mas podemos chamá-lo, sem ofensa, de "potencial de votos conservadores". Em próximas eleições, o aceno da consolidação de conquistas feitas pode ser tão ou mais atraente do que prometida alvorada de grandes transformações.
E eis que o poder desestabilizador da grande mídia parece agônico. Poder que detinha menos em função do jornalismo político investigativo, exacerbado em períodos eleitorais, e mais pelas ilações que faz, os olhos que a liam e os ouvidos que as ouviam. Acusar a mídia de omitir informações, procede, com frequência, mas é trivial. Negar os resultados reais do jornalismo investigativo é tolo e inútil. O mesmo leitor que recusa o exagero aceita o fato comprovado. E o que importa, em primeiro lugar, são os fatos comprovados. Culpa cabe ao governo, ao atual, aos anteriores e a todos os que vierem depois, por entregarem seus eleitores e apoiadores aos embaraços de se verem expostos aos resultados de uma política negligente de recrutamento de pessoal para cargos de absoluta relevância e respeitabilidade. Não é aceitável, em nenhum governo, que ocupantes de cargos de confiança estejam a salvo para operar sem sistemático escrutínio da legalidade e lisura de seus atos. Os órgãos de segurança do governo devem ser responsabilizados pelas constantes provas de incompetência que vêm dando. Um aparato estatal oligárquico, historicamente destituído de capacidade operacional para implementar políticas de grande envergadura - por isso mesmo obrigado a recrutar rapidamente quadros capazes, mediante concursos e funções de confiança - está especialmente sujeito a ser penetrado por funcionários cuja idoneidade ainda está para ser comprovada. O cuidado com o funcionamento da engrenagem governamental deve ser permanente e habilidoso, antes que meramente burocrático. Não é o governo que se torna vulnerável. Isso pode passar. São os seus eleitores que se envergonham e gaguejam, pagando enorme preço em estima social pela confiança que depositaram em governantes, e que a transferiram à desonra. Por isso, não é a grande mídia a responsável. Ao contrário, deve-se ao jornalismo investigativo de boa fé a fiscalização que órgãos governamentais deixam escapar e que a desídia de uma oposição de nariz arrebitado não exercita.

sexta-feira, 25 de março de 2011

No Brasil, pessoa jurídica é ente político



Legislação eleitoral republicana deveria criminalizar o financiamento feito por pessoas jurídicas




ESCRITO POR OTAVIANO HELENE   


"We have the best government that money can buy", Mark Twain.

A forma e os mecanismos de escolha dos ocupantes dos poderes são fundamentais para caracterizar o padrão de democracia (ou não) de um país. No nosso caso, um dos aspectos dessa questão é quanto aos mecanismos (legais e ilegais) de financiamento eleitoral. Se queremos uma nação democrática de fato, é necessário um sistema de financiamento eleitoral também democrático, como poderia ser o financiamento público. Mas para a defesa de um sistema de financiamento eleitoral democrático é necessário denunciar a atual forma de financiamento.

A legislação que regula o financiamento eleitoral no Brasil permite que pessoas físicas façam doações para campanhas eleitorais de até 10% do rendimento anual bruto. Pessoas jurídicas podem fazer doações, desde que "limitadas" a 2% do faturamento anual. Essas normas, previstas respectivamente nos artigos 23 e 81 da lei eleitoral (Lei 9504 de 1997), nada têm de democráticas.

De volta a 1824

São muitos os problemas dessas normas. O primeiro deles é o que concede poderes políticos tão maiores quanto maior for a renda, o que nos remete diretamente à Constituição do Império, de 1824: quem não tivesse cem mil réis de renda anual não poderia votar nem mesmo em eleições paroquiais; para votar em deputados e senadores havia a exigência de uma renda mínima de 200 mil réis; finalmente, só poderiam ser deputados aqueles que tivessem renda de pelo menos 400 mil réis por ano.

Esse fato, freqüentemente contado como anedota para ilustrar como era precária a "democracia" no início do Império, tem o mesmo conteúdo do que está previsto na lei eleitoral de 1997: quanto mais rico alguém for, maior é o poder político que pode exercer. Exemplo: quem ganha um salário mínimo por mês poderia (poderia, pois quem ganha 500 reais por mês evidentemente não tem capacidade de financiar coisa alguma) contribuir com alguma coisa por volta de 500 reais e, portanto, financiar não mais do que algumas dezenas de votos, já que o investimento necessário para conquistar um voto varia entre cerca de dez reais até várias dezenas de reais, dependendo do cargo e do município. Já um milionário pode financiar, com 10% de sua renda anual, milhares de votos.

Pessoa jurídica, no Brasil, é ente político

Outro problema, e ainda maior, é o financiamento de campanhas políticas por pessoa jurídica. Ora, pessoas jurídicas (lojas, fábricas, bancos, agências de publicidade, fazendas, construtoras etc.) não deveriam ser entes políticos: não podem ter ideologia, vontade ou preferência política, não podem se filiar a partidos, nem se candidatar a nada e, óbvio, não podem votar. Portanto, e evidentemente, não deveriam poder interferir em eleições, partidos ou candidaturas. Entretanto, a lei eleitoral brasileira concede poderes políticos a pessoas jurídicas.

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O segredo da vida de um casal




Receita do amor que dura: amar o outro não apesar de sua diferença, mas por ele ser diferente
EM GERAL , na literatura, no cinema e nas nossa fantasias, as histórias de amor acabam quando os amantes se juntam (é o modelo Cinderela) ou, então, quando a união esbarra num obstáculo intransponível (é o modelo Romeu e Julieta).

No modelo Cinderela, o narrador nos deixa sonhando com um "viveram felizes para sempre", que seria a "óbvia" conseqüência da paixão.

No modelo Romeu e Julieta, a felicidade que os amantes teriam conhecido, se tivessem podido se juntar, é uma hipótese indiscutível. O destino adverso que separou os amantes (ou os juntou na morte) perderia seu valor trágico se perguntássemos: será que Romeu e Julieta continuariam se amando com afinco se, um dia, conseguissem deitar-se juntos sem que Romeu tivesse que escalar a casa de Julieta até o famoso balcão? Ou se, em vez de enfrentar a oposição letal de suas ascendências, eles passassem os domingos em espantosos churrascos de família?

Talvez as histórias de amor que acabam mal nos fascinem porque, nelas, a dificuldade do amor se apresenta disfarçada. A luta trágica contra o mundo que se opõe à felicidade dos amantes pode ser uma metáfora gloriosa da dificuldade, tragicômica e inglória, da vida conjugal.

O casal que dura no tempo, em regra, não é tema para uma história de amor, mas para farsa ou vaudeville -às vezes, para conto de terror, à la "Dormindo com o Inimigo".

Durante décadas, Calvin Trillin escreveu uma narrativa de sua vida de casal, na revista "New Yorker" e em alguns livros (por exemplo, "Travels with Alice", viajando com Alice, de 1989, e "Alice, Let's Eat", Alice, vamos para a mesa, de 1978).

Nesses escritos, que são só uma parte de sua produção, Trillin compunha com sua mulher, Alice, uma dobradinha humorística, em que Calvin era o avoado, o feio e o desajeitado, e Alice encarnava, ao mesmo tempo, a beleza, a graça e a sabedoria concreta de vida.

À primeira vista, isso confirma a regra: a vida de casal é um tema cômico. Mas as crônicas de Trillin eram delicadas e tocantes: engraçadas, mas nunca grotescas. Trillin não zombava da dificuldade da vida de casal: ele nos divertia celebrando a alegria do casamento. Qual era seu segredo?

Pois bem, Alice, com quem Trillin se casou em 1965, morreu em 2001.

Trillin escreveu "Sobre Alice", que acaba de ser publicado pela Globo. Esse pequeno e tocante texto de despedida desvenda o segredo de um amor e de uma convivência felizes, que duraram 35 anos.

O segredo é o seguinte: Calvin e Alice, as personagens das crônicas, não eram artifícios literários, eram os próprios. A oposição entre os dois foi, efetivamente, o jeito especial que eles inventaram para conviver e prolongar o amor na convivência.

Considere esta citação de um texto anterior, que aparece no começo de "Sobre Alice": "Minha mulher, Alice, tem a estranha propensão de limitar nossa família a três refeições por dia". A graça está no fato de que a "propensão" de Alice não é extravagante, mas é contemplada por Calvin como se fosse um hábito exótico.

Alice é situada e mantida numa alteridade rigorosa, em que é impossível distinguir qualidades e defeitos: Calvin a ama e admira como a gente contempla, fascinado, uma espécie desconhecida num documentário do Discovery Channel.

Se amo e admiro o outro por ele ser diferente de mim (e não apesar de ele ser diferente de mim), não posso considerar que minha maneira de ser seja a única certa. Se Calvin acha extraordinário que Alice acredite na virtude de três refeições diárias, ele pode continuar petiscando o dia todo, mas seu hábito lhe parecerá, no fundo, tão estranho quanto o de Alice.

Com isso, Calvin e Alice transformaram sua vida de casal numa aventura fascinante: a aventura de sempre descobrir o outro, cuja diferença inesperada nos dá, de brinde, a certeza de que nossa obstinada maneira de ser, nossos jeitos e nossa neurose não precisam ser uma norma universal, nem mesmo a norma do casal.

Há quem diga que o parceiro ideal é aquele que nos faz rir. Trillin completou a fórmula: Alice era quem conseguia fazê-lo rir dele mesmo. Com isso, ele descobriu a receita do amor que dura.

Caligari
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