quarta-feira, 4 de outubro de 2017

A espetacularização, segundo a OAB

Morte de reitor da Universidade Federal de Santa Catarina repercute

Na segunda-feira (2), a diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o colégio de Presidentes de Seccionais da OAB emitiram nota criticando o que chamam de "espetacularização do processo penal". Na nota, a diretoria afirma que foi surpreendida "com a morte, em Florianópolis, do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo." Ele havia sido acusado e preso provisoriamente em investigação sobre casos de corrupção na universidade. A OAB ressalta: "A acusação contra ele foi "não ter dado sequência ao processo administrativo de apuração" de casos de corrupção ocorridos antes de ele assumir a reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, nos quais não teve qualquer participação."



Cancellier se suicidou na segunda-feira (2) num shopping, se jogando no vão central. No bilhete que deixou, o professor escreveu: "Minha morte foi decretada no dia da minha prisão".



A nota da OAB prossegue: "Assistimos no Brasil à banalização das prisões provisórias e das conduções coercitivas abusivas, realizadas quase sempre de forma espetacular e midiática, sem nenhuma preocupação com a preservação da imagem daqueles que sequer culpados podem ser considerados."



Veja a nota na íntegra:



Conselho Federal e Colégio de Presidentes emitem nota contra espetacularização do processo penal



segunda-feira, 2 de outubro de 2017 às 20h00



Brasília – Confira abaixo a manifestação do Conselho Federal da OAB e do Colégio de Presidentes de Seccionais da entidade sobre a morte do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo:



Fomos hoje surpreendidos com a morte, em Florianópolis, do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo.



No bilhete que deixou, o professor Cancellier escreveu: "Minha morte foi decretada no dia da minha prisão". Sobre o professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo não pesava nenhuma acusação de corrupção.



A acusação contra ele foi "não ter dado sequência ao processo administrativo de apuração" de casos de corrupção ocorridos antes de ele assumir a reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, nos quais não teve qualquer participação.



Mesmo assim foi preso provisoriamente, impedido de ingressar na Universidade e teve sua imagem brutalmente exposta.



Assistimos no Brasil à banalização das prisões provisórias e das conduções coercitivas abusivas, realizadas quase sempre de forma espetacular e midiática, sem nenhuma preocupação com a preservação da imagem daqueles que sequer culpados podem ser considerados.



É preciso que a sociedade brasileira e a comunidade jurídica discutam o que efetivamente queremos construir. E nós, a Diretoria do Conselho Federal e o Colégio de Presidentes de Seccionais, afirmamos que queremos o respeito à lei, às garantias constitucionais do cidadão e à garantia da presunção de inocência, para que amanhã não reste, aos ainda não culpados, somente a vergonha, a dor, o opróbrio e o sentimento de injustiça.



Não nos peçam o linchamento. Queremos a apuração de todos os fatos e de todas as acusações. Mas conclamamos a todos a dizer não ao culto ao autoritarismo e ao processo penal como instrumento de vingança.



Apurar e punir, sim. Violar o devido processo legal, a dignidade da pessoa humana e a presunção de inocência, nunca.



Diretoria do Conselho Federal da OAB



Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB



"Abuso de autoridade"



A morte do reitor repercutiu também na Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina. O procurador-geral divulgou nota afirmando que a "tragédia de sua partida ocorre sob condições revoltantes. As informações disponíveis indicam que Cancellier padeceu sob o abuso de autoridade, seja em relação ao decreto de prisão temporária contra si expedido, seja em relação à imposição de afastamento do exercício do mandato, causas eficientes do dano psicológico que o levaram a tirar a própria vida."



Veja a nota na íntegra:



O Procurador Geral do Estado vem a público manifestar profundo pesar pelo falecimento do Professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, Magnífico Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, bem como solidarizar-se com seus familiares e amigos.



A morte de Cancellier enluta Santa Catarina pela perda de um de seus filhos mais ilustres, um homem digno, de poucas posses, que devotou os últimos anos de sua rica trajetória profissional à nobre causa do ensino, da pesquisa e da extensão universitárias.





A tragédia de sua partida ocorre sob condições revoltantes. As informações disponíveis indicam que Cancellier padeceu sob o abuso de autoridade, seja em relação ao decreto de prisão temporária contra si expedido, seja em relação à imposição de afastamento do exercício do mandato, causas eficientes do dano psicológico que o levaram a tirar a própria vida.



Por isso, respeitado o devido processo legal, é indispensável a apuração das responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciárias envolvidas.



Que o legado do Professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo seja, em meio a tantos outros bens que nos deixou, também o de ter exposto ao país a perversidade de um sistema de justiça criminal sedento de luz e fama, especializado em antecipar penas e martirizar inocentes, sob o falso pretexto de garantir a eficácia de suas investigações.



João dos Passos Martins Neto



Procurador-Geral do Estado



"Punitivismo de um Estado policialesco"



Colegas da Faculdade de Direito do reitor da UFSC também divulgaram uma carta com duras críticas: "Perdemos o colega para o senso comum que denuncia, condena e executa com base no achismo."



Veja a carta:



"Hoje foi um dia de profunda tristeza na Universidade Federal de Santa Catarina. Um dia onde perdemos o amigo, o colega de departamento e o reitor de nossa universidade. O colega de voz calma que sempre buscava construir o diálogo e o meio termo (Luiz Cancellier era leitor assíduo de Habermas e acreditava na construção dialógica de consensos possíveis). O colega que optara por estudar Direito e Literatura, fugindo das lides forenses que nos endurecem nos embates do cotidiano, se refugiando na doçura da arte de um Shakespeare, de um Kafka, de um Camus, de um Machado de Assis, de uma Cecília Meireles. O colega que era respeitado no CCJ pela habilidade com que resolvia conflitos e que se tornou reitor de uma das mais importantes universidades da América Latina.



Perdemos o colega para o punitivismo de um Estado policialesco (e de uma parte da sociedade que adere a esse discurso) que rebaixa todos à condição de criminosos prévios, sem direito à defesa ou contraditório. Que primeiro prende e depois investiga. Que destrói reputações e depois arquiva.



Perdemos o colega para o senso comum que denuncia, condena e executa com base no achismo. Perdemos o colega para elementos de exceção que se continuarem a ser alimentados poderão levar a caminhos perigosos para a nossa jovem, mas já combalida democracia. Perdemos o amigo para um estilo de processo penal que tem crescido nos últimos anos em nosso país, altamente seletivo e inquisitorial, baseado em um discurso de emergência que elege inimigos e bodes-expiatórios de ocasião. Para um tipo de Justiça de iluminados que separa o mundo entre os puros e os impuros e que decreta cruzadas para derrotar o inimigo difuso. Cau foi imolado nesse contexto. Temos muito que aprender com isso. Adeus Cau!"





Jornal do Brasil

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