quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Camadas médias da população.

Rene Carvalho

As camadas médias da população são compostas por extratos diferenciados, que tem em comum ocuparem uma posição intermediária nas sociedades de classe, entre a elite econômica e os trabalhadores. Profissionais liberais e assalariados, como funcionalismo público, empregados em gestão de empresas privadas, professores, técnicos, intelectuais e artistas, fazem parte das camadas médias.


Estas se caracterizam também pelo acesso a bens de consumo diferenciados a que o restante da população pouco acesso: saúde e educação de qualidade, casa própria, automóvel, viagens ao exterior, equipamentos modernos e um melhor nível de vida. E facilidade de acesso a bens culturais e informação. Essas diferenças econômicas e culturais criam a possibilidade de um padrão de vida que podemos considerar constitutivo dessas camadas sociais. Elas aspiram, por outro lado, a um nível de vida mais próximo do das elites – que apenas poucos privilegiados atingem. Mas é também extremamente ciosa das distâncias que a separam do restante da população.

Esse acesso a alguns privilégios sociais aproxima as camadas médias da elite e a faz assumir com frequência a defesa dos mais efetivos privilegiados. Mexer em privilégios a assusta, embora a maior parte de seus componentes esteja muito distante do padrão de vida das elites. Por outro lado, objetivamente, parcela considerável das camadas médias, apesar de um nível de vida melhor, trabalha intensamente e faz as contas para chegar ao fim do mês.

As camadas médias estão, embora isso não seja visível no curto prazo, em processo permanente de transformação. Inovações tecnológicas, transformações econômicas e elevação do nível de vida da população se refletem na expansão dos serviços e atividades em que atuam, podem acirrar a concorrência interna e alterar a importância relativa de vários de seus subsetores. Em linhas gerais, a expansão econômica e a melhoria do nível de vida da população também favorecem as camadas médias, mas podem também colocar em risco algumas situações adquiridas.

Ou seja: são setores sociais que compartem importantes fundamentos, mas são um grupo heterogêneo onde conflitos internos estão presentes.

Situadas no centro da sociedade tem responsabilidade expressiva em sua evolução institucional e política. Para o bem e para o mal: são garantes em muitos países de equilíbrios básicos da sociedade, como a separação entre igreja e estado, a universalidade da educação e da saúde, o pacto antifascista em países como a França, por exemplo. Estiveram também na origem de muitas transformações sociais e tendem em muitos países, a serem garantes das regras democráticas estabelecidas. É difícil entender a estabilidade democrática 1988-2014 sem levarmos em conta sua efetiva participação no pacto pós-ditadura. Por outro lado, constituem também, uma base social do conservadorismo.

Em nosso caso, podemos encontrá-las como base social de golpes militares e civis – como em 1964 e agora. Mas muitos de seus setores desempenharam um papel expressivo na luta contra a ditadura. A industrialização foi apoiada por muitos de seus setores. Seu papel na modernização cultural do país tem sido historicamente relevante.

Este sobrevoo do tema – assumidamente superficial - introduz uma questão: é possível pensar politicamente o desenvolvimento com inclusão social sem incluir as camadas médias na reflexão e na ação política? A resposta claramente me parece ser não. O problema é que não consigo encontrar, na ação das forças de esquerda, traços mais expressivos dessa reflexão/ação. O afastamento do PT de grandes parcelas das camadas médias é com frequência apontado como uma das causas mais importantes da vitória do golpe civil. Acho que foi o Haddad quem disse que as elites cresceram, os setores populares tiveram ganhos e as camadas médias ficaram relativamente “na mesma”. Aumentou sua distância para com os de cima e diminuiu para com os de baixo.

Penso não haver dúvida sobre essa origem da grita de setores das camadas médias contra as cotas, o FIES, o maior acesso da população a carros e passagens aéreas. Embora outros membros dessas camadas tenham também tido acesso. A regulamentação do trabalho doméstico enraiveceu parcelas expressivas da classe média. O e social faz os serviçais passarem a gozar de direitos como qualquer trabalhador, uma "subida" destes trabalhadores a outro patamar, o que mexe no bolso e na cabeça de quem gostaria de pertencer à elite - dá a sensação de que alguém está favorecendo estes pobres em detrimento da classe média, que perde dinheiro se paga e prestígio se não pode pagar.

Essas medidas de inclusão social pareceram, a muitos, uma erosão da fronteira com os de baixo. Reflexos conservadores e mesmo de extrema direita se tornaram mais públicos e frequentes.

Esses reflexos conservadores são inevitáveis. Mas sua extensão e, sobretudo, a passividade – diria mesmo, a naturalidade como foi essa evolução foi encarada por amplos setores da população era evitável. Parcelas expressivas das camadas médias tinham e tem lugar no processo de crescimento com inclusão social. A começar por sua juventude.

Democracia, dinâmica nacional, modernização tecnológica, crescimento profissional, melhoria das condições de vida da população não são evoluções que contraditam a forma de pensar da maioria das camadas médias. Crescimento econômico, afirmação nacional, banimento de muitas consequências da escravidão, evolução em direção a uma sociedade menos desigual e mais civilizada, são movimentos benéficos, em termos econômicos e culturais, à grande maioria das camadas médias.

A expansão do mercado interno e a melhoria da forma como o país é visto no mundo, trazem ganhos objetivos e subjetivos de monta. Mas, sobretudo, deveriam ser vistos/apresentados como parte da missão das camadas médias, do que dela se espera. Se além do governo, a sociedade tivesse sido mobilizada nessa direção, penso que o respaldo a essas ações teria sido amplo nesse setor da população. O sentimento democrático e de progresso teriam tido condições de ser até majoritário nessas camadas.

A questão se torna mais complexa quando a falta dessa ação sistemática e transparente junto a esses setores sociais acaba-se não deixando outra solução de alterar a correlação de forças que não seja “buscar o centro” só que agora apenas em termos eleitorais e parlamentares. Como vimos de novo neste último período. Em vez de fortalecer laços com esses setores na mobilização social, que é complexa e às vezes contraditória, acabou-se correndo o grande risco de se tornar refém de partidos ditos de centro e que depois de nos rifarem deram apoio à agenda mais reacionária dos últimos 50 anos.



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