terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Parlamentarismo: novo golpe em gestação

Rubens Pinto Lyra(*) rubelyra@uol.com.br


O cidadão comum e até mesmo as entidades mais mobilizadas da sociedade civil nem sempre conseguem identificar - tantas são as iniciativas desprovidas de ética e de espírito democrático oriundas do governo Temer - as que mais fortemente comprometem a democracia. 

 A aprovação de um regime parlamentarista no Brasil, ensaiada nos bastidores - ou de seu irmão gêmeo, o semi-presidencialismo - é a que mais certeiramente atingirá a idoneidade do voto soberano, já enfraquecido pelas graves limitações à liberdade de imprensa impostas pelo monopólio midiático e pela influência avassaladora do poder econômico no processo eleitoral. 


 Em primeiro lugar, ao governo títere, falta legitimidade para propor, e ao Congresso Nacional para aprovar a substituição do presidencialismo por um regime parlamentar, ambos repudiados pela nação brasileira pelas práticas de corrupção e pela atuação de seus representantes, em proveito quase exclusivo dos interesses das classes dominantes. 


 Com esse governo e esse Congresso, o Estado, que também tinha incorporado, ainda que de forma subalterna, algumas aspirações das classes trabalhadoras, retoma a configuração do século XIX, quando Marx cunhou a famosa definição de “Comitê executivo dos interesses das classes dominantes” para qualificar o aparelho estatal de sua época. 


 E mesmo fosse ele idôneo, o Parlamento não teria legitimidade para deliberar a matéria pelo fato de o parlamentarismo ter sido, por três vezes, rechaçado, em consultas plebiscitárias, pela nação brasileira. E, sobretudo porque, sobre questão de tamanha envergadura, importa saber a que órgãos serão atribuídas as prerrogativas de soberania e em que condições serão elas exercidas.  

É aí que reside a questão central sobre presidencialismo x parlamentarismo. No parlamentarismo e no semi-presidencialismo quem governa não é o Presidente, e sim o Primeiro Ministro com seu Gabinete, em geral o líder do partido majoritário, escolhido pelos partidos que dispuserem de maioria no Congresso. 


 Na prática, advirta-se que teria sido alguém como Cunha o escolhido Chefe de Governo, fazendo parelha com figuras de seu naipe, como Michel Temer, na Presidência. 


 Ademais, é bem mais fácil conseguir eleger um Presidente de que um Parlamento reformista - conforme comprovam todos os exemplos históricos, pelo menos em países de baixa intensidade democrática, como o Brasil. 


 Com efeito, no Presidencialismo, a confrontação de propostas para o governo, comportando distintas concepções sobre o papel do Estado, permite um debate envolvendo diretamente o titular da soberania – o povo - com transparência e participação, o que enseja, frequentemente, a escolha de um mandatário identificado com os interesses populares. 


 É precisamente esse debate e a possibilidade de mudança por ele propiciada que os defensores de ocasião do parlamentarismo querem, a todo custo evitar. Por isso, se esmeram em apresentar vantagens que abstratamente seriam próprias desse regime, como a possibilidade de evitar crises de Governo, com a dissolução deste, quando há confronto entre ele e o parlamento, e a convocação de novas eleições. 


 Mas o Presidencialismo, adotando o recall (revogação de mandato popular mediante consulta plebiscitária) também pode restabelecer o equilíbrio institucional, permitindo que o governante corrupto ou inepto seja afastado do Poder - mas, no caso, pelo próprio povo 


 Os partidos e organizações da sociedade civil que se opõem à aliança conservadora que governa o país não poderão deixar de priorizar a luta contra a aprovação do Parlamentarismo pelo Congresso golpista, como conditio sine qua non para preservação das possibilidades de eleição de um Presidente, dotado de efetivos poderes, comprometido com a democracia e com a construção de uma ordem econômica e social mais justa.


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